Chuteiras de ouro | Pluri Consultoria


Chuteiras de ouro
FacebookTwitter

Como o marketing no futebol brasileiro evoluiu do cachê pago com uma lata de goiabada a contratos milionários com multinacionais que mantêm alguns de nossos craques jogando no país

Quando cruzou o Atlântico para disputar a Copa da França, em 1938, Leônidas da Silva não era apenas o grande ídolo do Flamengo, já naquela época a maior torcida do Brasil. Era também o maior jogador do futebol brasileiro – posto que só perderia no Mundial de 20 anos depois para outro rapazinho negro e de habilidade extraordinariamente acima do normal como ele. Mesmo com tal currículo, Leônidas ficou assustado quando viu da escotilha do navio a multidão a recepcioná-lo primeiro no porto de Salvador, depois, no do Rio, no retorno da Europa.
Dos gramados franceses, Leônidas não trouxe apenas um honroso terceiro lugar de uma seleção desacreditada, cujo treinador, à menor intempérie, chegava a trocar todos os jogadores de uma partida para outra. Todos, menos Leônidas, ressalte-se. O atacante, então com 25 anos, trazia também o posto de artilheiro da disputa com sete gols e o status de melhor jogador daquela Copa. Combinação que despertou o interesse dos fãs, como também de empresas interessadas em vincular suas imagens à do craque.
A primeira a procurá-lo foi a fabricante de goiabada Peixe. Poucos dias depois do contato, segundo a biografia Diamante Eterno, escrita pelo jornalista André Ribeiro, o sorriso elegante de Leônidas era estampado ao lado da marca em anúncios de mais de um quarto de página de todos os jornais cariocas. A publicidade, que repercutiu muito bem nas vendas da Peixe, teve custo praticamente zero. De pagamento, o jogador recebera do empresário Manoel de Brito, proprietário da indústria, uma única e simples lata da tão propagada goiabada.
Quem abriu os olhos do craque foi um amigo. Disse a ele que da próxima vez cobrasse um porcentual para emprestar seu nome a um reclame publicitário, como eram chamados os anúncios na época. Pela popularidade que tinha, o atacante do Flamengo e da seleção seria capaz de aumentar as vendas de qualquer produto, mesmo que fosse de qualidade duvidosa. Leônidas concordou. Mas com uma condição. Como seu tino para negócios era inversamente proporcional a seu talento no gramado, deixou a função de fechar os anúncios com o próprio amigo.
E assim, de maneira mais do que direta, mas sem noção da transformação que estava se processando, o jornalista José Maria Scassa transformou Leônidas da Silva no primeiro jogador brasileiro a se tornar garoto-propaganda. Foi ele quem intermediou a negociação de lançamento do chocolate Diamante Negro – apelido dado pela imprensa francesa ao craque no Mundial de 38 – com a Lacta, indústria paulista adquirida pela multinacional americana Kraft Foods em 1996. Passados 73 anos, Diamante Negro ainda é o chocolate ao leite mais vendido do Brasil. É também o segundo tablete mais consumido no país, além de ser exportado para cinco países.
Uma parceria que deu certo não só para a Lacta, como para o próprio Leônidas. Depois de batizar o chocolate, o jogador não parou mais de vincular sua imagem à mais variada gama de produtos, de cigarros a relógios. Sempre recebendo cotas únicas por anúncio, de valores nada extraordinários, que apenas complementavam o salário na Gávea. Tudo muito diferente da relação dos jogadores de futebol de hoje com o mundo da publicidade.
Neymar
Dos míseros 2 contos de réis que Leônidas recebeu pelo Diamante Negro, ao R$ 1,5 milhão por mês que Neymar recebe de contratos publicitários com nove empresas (sete delas multinacionais que, dentro em breve, passarão a explorar a imagem da jovem revelação também no exterior), os valores cresceram imensuravelmente. Os contratos com Ambev, Nike, Panasonic, Tenys Pé Baruel, Lupo, Red Bull, Santander, Unilever e Claro – os três últimos assinados depois de novembro, quando o atacante renovou com o Santos até 2014, ano em que tem tudo para ser o melhor jogador da Copa no Brasil – foram fundamentais para mantê-lo no país.
Graças aos acordos com os anunciantes, dos quais o Santos abriu mão dos 30% a que tinha direito pelo contrato anterior, a renda mensal de Neymar alcançou os incríveis R$ 3 milhões. E engana-se quem pensa que o Santos perde dinheiro por repassar integralmente os valores das campanhas publicitárias a Neymar. Só com a confirmação da permanência dele na Vila Belmiro, a diretoria do clube paulista pretende aumentar em 30% as cotas dos anunciantes em sua camisa. A previsão é de que o lucro salte de R$ 27 milhões em 2011 para R$ 35 milhões ano que vem.
Com tal renda, Neymar pode se dar o luxo de ser dos poucos jogadores no Brasil com renda equiparável ao do multimilionário futebol europeu – o que ajudou a espantar o assédio de Real Madrid e Barcelona, que começavam um duelo para levá-lo à Espanha. O valor do santista no mercado da bola também já figura nos padrões europeus. Único a atuar no continente americano na lista dos 20 jogadores mais caros do balanço anual da Pluri Consultoria, Neymar é o sexto mais valioso do mundo no momento. Seu passe vale R$ 122 milhões, exatamente metade do atual número um do mundo, Lionel Messi, do Barcelona. Além do argentino, o santista fica atrás somente do português Cristiano Ronaldo (R$ 219,6 milhões), do espanhol Iniesta (R$ 158,6 milhões), além do também espanhol Cesc Fábregas e do inglês Wayne Rooney (cada um valendo R$ 134,2 milhões).
De salário, o Peixe paga outro R$ 1,5 milhão ao atacante. A título de comparação, o salário de Neymar é 40% menor do R$ 1,9 milhão pago pelo todo poderoso Real Madrid ao pentacampeão mundial Kaká, brasileiro mais bem pago no mundo, sexto entre todos os atletas do futebol, segundo o site Futebol Finance. Para os padrões humanos, a diferença de R$ 400 mil dos vencimentos de Kaká para os de Neymar é uma quantia inimaginável. Para as cifras praticamente infinitas do futebol internacional, nem tanto.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1201544&tit=Chuteiras-de-ouro